Gasto militar sob Lula tem mais investimento e menos despesa com pessoal

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os gastos militares brasileiros melhoraram de perfil nos dois primeiros anos do governo Lula (PT), mas as distorções que marcam as despesas do nevrálgico setor permanecem intocadas.

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Na gestão do ministro José Mucio Monteiro, a pasta aumentou a taxa de investimento e viu cair o gasto com pessoal, algo raro na série histórica do setor. Não houve nenhuma revolução e é preciso avaliar o desempenho nos próximos anos, mas é uma novidade.

Em 2022, último sob Jair Bolsonaro (PL), o Brasil colocou 6,8% de seu orçamento de defesa em investimentos. No ano passado, foram 7,4%. Em valores corrigidos pela inflação, a rubrica passou de R$ 8,6 bilhões para R$ 9,2 bilhões.

O pagamento de ativos e inativos caiu de 80% para 78,2% do total, passando de R$ 101 bilhões para R$ 96,6 bilhões, basicamente um efeito da falta de reajuste à categoria. Já os servidores civis terão aumento neste ano, com impacto de R$ 17,9 bilhões na folha de pagamento.

Todos os dados são do sistema de acompanhamento da execução orçamentária federal do Senado, o Siga Brasil, e do Tesouro. Eles refletem não a previsão anual apenas, mas o que de fato foi gasto: valores autorizados pagos e os chamados restos a pagar, sobras de outros anos.

A melhora de perfil parece marginal, mas em contas públicas qualquer casa decimal pesa muito. Houve momentos anteriores de melhora de perfil, mas eles refletiam manobras orçamentárias.

Em 2019, por exemplo, o orçamento militar teve um incremento devido à capitalização de uma empresa para fabricar fragatas leves para a Marinha.

O drible para tirar do antigo teto de gastos o programa, feito em 2018 pelo governo Michel Temer (MDB), criou um quadro ilusório em que havia 73% de gasto de pessoal, 7,5% de investimento e 6,8%, da manobra. O governo Bolsonaro tentou ampliar a prática, mas não conseguiu.

Em todos esses exercícios fiscais, o restante da despesa é o chamado custeio, os demais gastos correntes. Em 2022 estavam em 13,2% do orçamento total; agora em 2024, subiram a 14,2%, ou R$ 17,6 bilhões. No total, o gasto com defesa caiu neste biênio, passando de R$ 126,8 bilhões para R$ 123,4 bilhões.

Apesar das relativas boas notícias, problemas da composição dos gastos no setor persistem. A despesa com pessoal segue num patamar inaudito em outros países. Inativos respondem por 60% dessa fatia, outra distorção.

As tentativas de lidar com a questão, como a reforma previdenciária dos militares de 2019 e o projeto que será analisado pelo Congresso neste semestre alterando parâmetros de aposentadoria dos fardados, não terão o condão de mudar o quadro geral -para isso, um modelo privilegiando soldados profissionais temporários seria uma alternativa de longo prazo.

O debate ocorre de forma truncada, com as queixas da Marinha acerca das novas regras previdenciárias quase levando à demissão de seu comandante. Mucio, que passou dois anos equilibrando as tensas relações entre a caserna e Lula, quis sair do governo, mas foi demovido por ora.

Sobre investimentos, o padrão brasileiro pode ter melhorado, mas está abaixo do considerado ideal pela régua da Otan, a aliança militar do Ocidente, que preconiza 20% do orçamento de defesa para equipamentos e programas.

Em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, apenas 8 dos então 28 membros do clube cumpriam isso. Com tudo o que ocorreu de lá para cá, em 2024 só 3 dos agora 32 integrantes da Otan não atingem a meta. A Polônia, em franco rearmamento, é a recordista, com 51%. Os EUA, a maior potência militar do planeta, marcam 30%.

Isso para não falar na meta total de gastos, estipulada desde 2006 em 2% do PIB de cada país pela Otan, que agora Donald Trump pressiona para chegar a irreais 5%. Ainda assim, se há dez anos só três países da aliança chegavam lá, agora são 23, cortesia de Vladimir Putin. O Brasil segue patinando em torno de 1%.

Há também questões ligadas às práticas políticas brasileiras. Como a Folha mostrou, o programa Calha Norte virou um depositário de emendas parlamentares de execução opaca para obras que estão longe de qualquer meta ligada à defesa nacional.

Em 2023, o Calha Norte, sempre um figurante, virou o terceiro programa mais fornido. Em 2024, ficou em quarto, com R$ 720 milhões gastos. Como são valores semelhantes aos gastos em 2023, mesmo retirando a ação da conta geral o perfil do gasto segue igual.

A situação é tão insólita que Lula anunciou, em agosto, que passaria o Calha Norte para o Ministério do Desenvolvimento Regional. A reportagem questionou a Defesa sobre o andamento disso e o que aconteceria com o buraco orçamentário consequente, mas não obteve resposta. A pasta também não comentou acerca da estrutura orçamentária.

No mais, os programas militares brasileiros seguem o padrão estabelecido nos últimos anos, sem grandes soluços ante a previsão de gastos.

O projeto estratégico mais caro do país segue sendo o da aquisição dos caças suecos Saab Gripen, que teve um desembolso de R$ 1,5 bilhão em 2024, quase R$ 500 milhões a mais do que o autorizado inicialmente.

Aqui, os óbices são diversos. O negócio para a compra de 36 aviões, 15 dos quais serão feitos no Brasil, sofreu com atrasos orçamentários até 2019, empurrando a entrega do último aparelho para o começo da próxima década -há oito voando no país, um para testes.

No ano passado, insatisfeita com os custos e ritmo de produção do Gripen, a Força Aérea disse que poderia cobrir a aposentadoria dos aviões de ataque AMX com um lote de caças F-16 americanos.

O avanço no negócio casado para a compra de mais Gripen e a adoção do cargueiro da Embraer KC-390 pela Suécia parece ter resolvido o assunto. A fabricante brasileira recebeu R$ 690 milhões para seguir a produção dos 19 aviões de transporte para a FAB, ficando em quinto no top 5 de 2024.

Esse é outro projeto marcado por anemia de recursos até 2019, além de um debate sobre custos que opôs FAB e Embraer e fez a encomenda inicial de 28 aviões ser reduzida. Sete foram entregues, e o último só será entregue talvez em 2034, restando saber o impacto da crescente clientela estrangeira do modelo.

Em segundo lugar entre os projetos mais caros está o programa de submarinos convencionais da Marinha, que também está atrasado e entregará a última de quatro embarcações do modelo francês Scorpène neste ano, com R$ 960 milhões gastos -fora obras em estaleiros (R$ 355 milhões) e o projeto da versão nuclear (R$ 289 milhões), à parte.

Por fim, em terceiro no top 5, está um programa orgânico, o controle do tráfego aéreo pela FAB, com R$ 840 milhões desembolsados no ano passado. Com isso, o ranking repete 2023, apenas com essa rubrica ultrapassando o Calha Norte e o Embraer KC-390.

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