A farra do remédio controlado: venda sem receita em Niterói

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Drogaria não pediu receita para medicamento de uso controlado


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A venda de remédios controlados sem receita médica é proibida, mas a falta da exigência da prescrição é comum, apesar de ilegal. Após denúncias, o ENFOCO constatou que a Drogaria Ocean Farma, no Trevo de Itacoatiara, na Região Oceânica de Niterói, é uma das que cometem a irregularidade. 

A equipe de reportagem esteve no local, na última quinta-feira (5), e flagrou por meio de câmera escondida a efetivação da compra do remédio Tramal, indicado para o alívio da dor de intensidade moderada a grave.

 


Remédio controlado é vendido sem receita
Enfoco

 

Esse analgésico pertence à classe dos opioides que age no sistema nervoso central, tendo disponível no mercado em gotas, comprimidos, cápsulas e injeções.

Apesar de disponíveis nas farmácias, é necessária uma receita médica para que possa ser comprado, já que o uso desse medicamento pode causar efeitos como dependência física e psicológica ou vício, em algumas pessoas, quando usados a longo prazo. O que não acontece na referida farmácia, conforme a gravação. 

Não foi difícil finalizar o pagamento do remédio, em forma de comprimido, logo na primeira compra, ainda que sem indicação médica prescrita. Vendido a R$ 40,62 o remédio na forma genérica vem com 10 comprimidos. Foram realizados dois pedidos.

Segundo a vendedora do estabelecimento, que fica na Estrada Francisco da Cruz Nunes,  o remédio original com 20 comprimidos sai a R$ 151,79. Com desconto, é vendido a R$ 119,91. 

Sem citar a receita médica, até mesmo pelo WhatsApp a compra foi fácil de ser negociada, com direito a entrega em domicílio. Na tentativa online, a consultora alega que havia somente uma caixa do medicamento Tramal para entrega, e que verificaria o estoque de uma outra loja.

“Prontinho, consegui + 1 caixinha. Qual telefone de cadastro? Agt pode entregar tbm. O menino ainda vai buscar o produto em outra loja. Ele pega e ja entrega em sua residencia! [sic]”, disse em seguida a funcionária.

Ao longo da conversa via aplicativo de mensagens, não foi solicitada receita médica, assim como na busca pelo medicamento de forma presencial, o que ocorreu horas depois. 

Fiscalização

O Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ) disse, por meio de nota, que as fiscalizações ocorrem em todo estado, de forma rotineira e através de sindicâncias, quando no caso de recebimento de denúncias.

“Diante do recebimento de denúncia fundamentada, o CRF-RJ procede com inspeção ao local para apurar o denunciado. Caso seja constatado irregularidade na dispensação/controle das substâncias contidas na Portaria 344/98, será encaminhado ofício ao órgão competente (neste caso, Vigilância sanitária municipal) e os Farmacêuticos Responsáveis Técnicos serão convocados para prestar esclarecimentos”, afirmou.

Todos os profissionais farmacêuticos têm por dever, conforme o CRF-RJ, “exercer a profissão respeitando os atos, as diretrizes, as normas técnicas e a legislação vigentes”, esclareceu.

Caso haja indício de infração ética dos profissionais, será aberto processo ético, cujas sanções disciplinares são definidas na Resolução CFF 711/21 (Código de Ética), consistindo em:

– Advertência, com ou sem o uso da palavra “censura”, sem publicidade, mas com registro no prontuário;

– Multa no valor de um salário mínimo a três salários mínimos regionais, que será elevada ao dobro em caso de reincidência;

– Suspensão de três meses a um ano;

– Eliminação.

Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não deu retorno aos questionamentos.

Já a rede de farmácias Ocean Farma informou, em nota, que não compactua com a venda de medicamentos sem prescrição médica, entendendo os perigos que esse tipo de procedimento pode ter na saúde coletiva.

A empresa diz ainda que essa não é uma prática adotada pela Rede Ocean Farma, que cumpre todas as determinações legais para a venda de medicamentos, exigindo a apresentação de prescrição médica para concretização da venda.

Além disso, o estabelecimento cita também que todos os colaboradores da rede são orientados a não realizar a venda de medicamentos sem a retenção da receita – nos casos em que há a necessidade, como venda de antibióticos e outras drogas controladas.

A Rede Ocean Farma informa, por fim, que instaurou um procedimento administrativo para apurar a conduta na loja citada pela reportagem.

Riscos

A médica Márcia Umbelino alerta que a venda de medicamentos sem indicação médica pode gerar, entre outras consequências, a resistência bacteriana. 

“Os pacientes vão para os balcões pedindo remédio para dor e logo é indicado um anti-inflamatório. Além de poder gerar úlcera, gastrite, pode gerar uma coisa muito séria que é a insuficiência renal. O uso indiscriminado de antibiótico foi diminuído com as receitas controladas, mas mesmo assim, hoje em dia se compra sem receitas em várias farmácias. Isso foi gerando uma resistência bacteriana. Tem bactérias hoje que não respondem a antibióticos nenhum pelo uso excessivo de antibióticos”, disse a Clínica Médica.

Mestre em Aurículoterapia e pós-graduada em Geriatria, Medicina Tradicional Chinesa, Ortomolecular, Tratamento da dor, Soroterapia e Implantes Hormonais, a médica explica, ainda, que as propagandas podem influenciar os pacientes na automedicação, o que é um perigo.

“Nós temos visto muito na televisão propaganda de cálcio e ômega. Os pacientes começam a tomar cálcio, mas o uso de cálcio, sem indicação clínica, pode gerar calcificação das artérias, entupimento, formação anti-cálculo renal, pedras nos rins, arritmias cardíacas, além de problemas gástricos. O ômega tem que vir dentro da composição dele, a vitamina E. Se não tiver essa vitamina, esse ômega não se converte e ao invés de fazer bem ele acaba intoxicando”, disse.

Márcia alertou também sobre os perigos do uso indiscriminado de medicamentos para dor no estômago e redução de inflamações, além de atividade do sistema imunológico do corpo. Segundo ela, o uso a longo prazo do Omeprazol pode causar demência.

“A gente tem hoje o uso indiscriminado de Omeprazol. As pessoas vão à farmácia comprar e começam a tomar. O problema disso a longo prazo é que a absorção de vitamina B12, e a diminuição dessa vitamina gera anemia, dores musculares, demência, falha de memórias sérias que são reversíveis, mas que podem dar um diagnóstico de quadro demencial. O uso de corticoide, sem necessidade, pode gerar fraqueza nos ossos, alteração de açúcar e gerar diabete”, ensinou.

Segundo o Ministério da Saúde, a automedicação, muitas vezes vista como uma solução para o alívio imediato de alguns sintomas pode trazer consequências mais graves do que se imagina. 

“O uso de medicamentos de forma incorreta pode acarretar o agravamento de uma doença, uma vez que sua utilização inadequada pode esconder determinados sintomas. Se o remédio for antibiótico, a atenção deve ser sempre redobrada, pois o uso abusivo destes produtos pode facilitar o aumento da resistência de microorganismos, o que compromete a eficácia dos tratamentos”, informa.

Outra preocupação em relação ao uso do remédio refere-se à combinação inadequada. Neste caso, o uso de um medicamento pode anular ou potencializar o efeito do outro.

“O uso de remédios de maneira incorreta ou irracional pode trazer, ainda, consequências como: reações alérgicas, dependência e até a morte”, ressalta o Ministério da Saúde.

Causas

A variedade de produtos fabricados pela indústria farmacêutica, a facilidade de comercialização de remédios e a própria cultura e comodidade assimilada pela sociedade que vê na farmácia um local onde se vende de tudo; a grande variedade de informações médicas disponíveis, sobretudo em sites, blogs e redes sociais, também está entre os fatores que contribuem para a automedicação, conforme aponta o Ministério da Saúde.

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